Quem é dona de casa sabe muito bem do que vou falar. Observação: também poderia ser “dono” de casa, não quero discriminar ninguém por questão de gênero, seja masculino, feminino, não binário, indeciso, indefinido, inseguro ou aleatório. Estou me referindo a qualquer pessoa que, não sendo milionária ou que não more na floresta, precisa cuidar da casa em que vive. Fecha aspas.
Algumas vezes, penso que a casa não existe para me acolher ou para me servir. Acho que fui sequestrada e agora vivemos uma relação simbiótica: ela me protege do sol e da chuva, mas tenho que atender às suas demandas naturais, como limpar, lavar, passar, cozinhar e por aí vai. Algumas vezes, estou tão cansada dos meus afazeres que começo a brigar com os eletrodomésticos. Se você pensa que isso é estranho, é porque não conhece com quem tenho de lidar todos os dias, eles simplesmente não me obedecem! Vamos começar pela máquina de lavar: ela só enche a quantidade de água que acha conveniente: “Por favor, poderia ir até o limite máximo? Temos que lavar um edredom de casal” (Abre aspas: sempre digo no plural — temos — pois ela se constrange facilmente). E me responde: “Não, na minha opinião essa quantidade de água é suficiente, precisamos economizar”. Suspiro contrariada, mas o que fazer se a máquina de lavar é arrogante? Lavar roupas ainda tem outro empecilho. Quando você acha que não tem muito para lavar, toda a indumentária da família começa a aparecer. Camisetas, meias, calças, vestidos etc., saem dos mais diversos esconderijos e vêm pulando em fila até a lavanderia, até encher três cestos e meio. Nem sabia que tinha tanta roupa dentro dessa casa!
O ar-condicionado também tem sido de uma teimosia exasperante:
— Acho que ainda está muito quente, poderia esfriar um pouco mais a sala, por favor?
— Para mim está bom. Por que não vai tomar um banho frio? — fui, e ainda tive que ouvir desaforo do chuveiro:
— Pois é, parece que nem o velho A.C. anda te obedecendo…
A geladeira (que, diga-se de passagem, não é nenhuma Brastemp) também tem sido indelicada: “Será que poderia guardar uma dúzia de garrafas de cerveja e mais quatro fardos de Coca-Cola, por favor? Vamos receber visitas no fim de semana”. Ela me responde, friamente: “Não vai dar, tenho estado muito ocupada nesses dias. Quem mandou cozinhar para a semana? Sinto muito”. Eu a perdoaria se os outros eletrodomésticos não fossem coniventes. Procuro algum consolo do micro-ondas, do liquidificador ou da torradeira, mas nenhum deles está do meu lado. Infelizmente, na minha cozinha só confio na cafeteira:
— Está tudo bem, vou te preparar um cafezinho gostoso, hoje o dia vai ser ótimo!
— Não sei não, tenho muito o que fazer, ninguém me ajuda…
— Ânimo, amiga, estou aqui por você!
O ferro de passar vive me procurando, mas prefiro ignorá-lo. Se as roupas aparecem de surpresa para tomar banho, então que se resolvam com o amarrotado sozinhas. Já perdi a conta de quantos bolos não cresceram porque o forno não colaborou; imagino que está de complô com a balança do banheiro. A minha vida também seria mais fácil se não tivesse que conter os ciúmes dos cidadãos. A vassoura nunca se deu bem com o aspirador de pó, a air fryer adora fazer pirraça para o fogão, o videocassete vive deprimido com a aposentadoria compulsória e as chacotas que recebe da X-Box.
Mas o pior de tudo é a insubordinação dos eletrônicos. O controle remoto brinca de esconde-esconde com as meias e as tampas dos Tupperware. Nem posso falar do computador, a gente nunca se entendeu. Quando começamos a avançar no relacionamento, aparece uma atualização e temos uma crise conjugal. Se a coisa continuar como está, vou resgatar a velha máquina de escrever na garagem, a minha querida Olivetti, sempre fiel e submissa.
A eletricidade sai uma fortuna e ninguém colabora. Já ameacei não pagar a conta só para mostrar quem manda aqui, mas o secador ficou sabendo e ameaçou não controlar mais os meus cabelos, que sempre foram a coisa mais rebelde na minha vida. Ainda vou fugir dessa casa e viver em uma caverna, só levo o celular. Como ele não sai do Instagram e do Pinterest, ainda não adquiriu consciência de classe e posso contar com sua obediência — pelo menos por enquanto.
Infelizmente, preciso terminar a crônica por aqui. A impressora está distribuindo panfletos e a televisão está convocando os insurgentes para uma manifestação na porta do escritório. Enviem reforços, por favor!