A paquera

December 30, 2023

É impressionante como um simples fato da vida cotidiana– a paquera – pode assumir tantas variações, dependendo da cultura de cada país. Em alguns países europeus é necessária uma carta de interesses em duas vias, registradas em cartório, para conseguir marcar um encontro. No Brasil, é preciso muito mais que isso: é preciso ter charme, simpatia, bom papo e, claro, bom hálito. Já soube da história de um dinamarquês que cancelou um jantar apenas porque a garota não apresentou os documentos necessários em três dias úteis: coisa de países frios.

As variantes que cercam um encontro amoroso vão muito além do Kama Sutra e, freqüentemente, não tem nada a ver com ele. Na Inglaterra, os casais mais reservados tomam chá, jogam críquete, vão a pubs, e, apenas depois de muito tempo – e, às vezes, só com autorização da Rainha – vão descobrir do que o Kama Sutra se trata. No Brasil, os casais mais modernos não só vão rapidamente ao Kama Sutra, como já inventaram formas variadas de incluir o chá e o críquete nesta bagunça, e ainda nem temos uma Rainha para interferir!

No Japão o processo de é ainda mais fácil e previsível. Inicia-se em uma agência matrimonial, prossegue no cartório e, finalmente, termina na cama. Caso o acasalamento não seja satisfatório para ambos, faz-se o caminho inverso: cama, cartório, agência, e procura-se novo marido ou esposa. Ainda há a possibilidade de processar a agência por falhas do produto adquirido, como problemas de ereção, infidelidade ou ronco. Para evitar este último, de tão freqüente, muitas vezes já consta em alguma cláusula do contrato No Brasil a paquera pode iniciar-se numa mesinha de bar, num lotação, na praia ou na rua – as possibilidades são imensas. Prossegue sempre de forma imprevista e pode terminar nos locais mais imprevistos ainda: no hotel da esquina, no banco traseiro ou dianteiro do carro (inclusive até fora do carro), no fundo do quintal do vizinho e até na delegacia, quando o casal é muito afoito. Na seqüência, o caso pode continuar na casa da sogra, no cartório, na igreja, e ir parar novamente na delegacia! Resumo: no Brasil tudo é imprevisível.

Nos Estados Unidos a paquera é estudada a sério pelos psicólogos, como qualquer outra forma de relacionamento social, e foi desenvolvida uma tabela determinando sua probabilidade, de acordo com cada situação. Quando ocorre um encontro amoroso bem-sucedido, os pesquisadores mais puritanos chamam de “erro técnico”. De acordo com estes estudos, se ambos são universitários e estão no Summer Break, as chances são altíssimas. Se são colegas de trabalho, vai depender do advogado da empresa. Se o casal está em um bar, vai depender: 1) do teor alcoólico de ambos; 2) da profissão de cada um: se um deles for advogado, o encontro não só pode não acontecer, como a própria tentativa pode terminar em processo e; 3) da localização do bar: se estiver na Flórida, as chances são grandes, e em alguns Estados mais tradicionais, como Virgínia, até para justificar o nome, a chance do encontro acontecer é tecnicamente nula. É por isso que muitos americanos encontram na internet o ambiente mais adequado tanto para aproximar-se do sexo oposto, como do próprio sexo, ou de qualquer outro que aparecer. Inclusive, a internet é o local mais adequado para aprofundar o relacionamento, apesar das desvantagens do meio eletrônico: muitos casais acham que o mouse atrapalha certas posições.

Se nos Estados Unidos é necessário o consentimento jurídico de ambos, na França basta que os casais mais elegantes bebam um pouco de champagne, e logo estão fazendo beicinho e murmurando Je t’aime. No Brasil, o processo dispensa o champagne, e, freqüentemente, ocorre sem nenhuma elegância:

– Você vem sempre aqui? – ou

– Você se machucou quando caiu do céu, meu anjo? – ou, pior ainda:

– Minha mãe tá loca pra te chamá de nora, gata! – neste último caso, o encontro pode não se realizar, como a própria tentativa terminar em gargalhada por parte da garota.

Na Nova Zelândia os nativos preparam-se para o encontro amoroso mastigando uma certa raiz afrodisíaca. No Brasil, como já perdemos nossas raízes indígenas e grudamos nos modismos norte-americanos (desculpem os trocadilhos) qualquer chiclete de hortelã serve, e, quando este falta, é até um pretexto para os mais atirados:

– Oi, gata! Você tem um chiclete para me emprestar? Pode até ser esse que você está usando…

Na China, a discrição que cerca a intimidade do casal é muito importante, e, se acontece algo, sempre há a desculpa de que o olho não estava muito aberto para ver. No Brasil, tanto não há discrição por parte dos amigos, como o próprio casal gosta de compartilhar a intimidade ocorrida. Porém, muitas vezes não se pode confiar no relato verbal, principalmente quando a peripécia proclamada agradou apenas a um dos dois. Isto faz com que seja comum, no dia seguinte, o rapaz falar aos amigos:

– Vocês não sabem o que aconteceu ontem à noite! Eu conheci uma gata…

E, na mesma hora, em outro lugar, a garota chamar as amigas:

– Meninas, vocês não sabem o que não aconteceu ontem à noite! Eu conheci um chato…

Definitivamente, tratando-se de paquera, o Brasil não é um país sério. Ainda bem!

(Esta crônica foi publicada na coletânia “Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras” vol. 2, Miami 2006)

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