Até onde vai o orgulho (delas)

December 30, 2023

Ela desconfiava havia tempos. Os atrasos, as meias explicações, as sumidas depois do expediente, a mudança de comportamento. Depois de muito insistir, ele acabou por admitir o que ela já sabia. Sim, ele tinha uma amante.

— O quê?! Seu cachorro! Como pôde fazer uma coisa dessas? — grita a esposa.

— Pois é — ele responde, com a cabeça baixa e quase arrependido —, acabou acontecendo, mas isso não significa que eu não te ame mais. Se me perdoar, prometo que nunca mais vai acontecer de novo. Foi apenas uma aventura. Pelo nosso casamento, me perdoa?

— Te perdoar? Quem é ela, há quanto tempo estão se encontrando?

— Ela é a secretária do chefe, lá na empresa, mas faz apenas uns dois meses que estamos nos vendo, talvez três, e nem é toda semana.

Uma secretária! Bem que sempre lhe disseram para não confiar nas secretárias: elas adoram roubar o marido das outras. Só de pensar naquela saia na altura dos joelhos, cruzando e descruzando as pernas ao atender ao telefone, aquele sorriso malicioso ao operar a impressora a laser, ou, talvez, curvando-se ao abrir os arquivos, só para mostrar o decote, e tudo isso para o seu marido! Se ainda fosse uma outra profissional qualquer, como fiscal de imposto de renda, uma bibliotecária, ainda vá lá, mas uma secretária!

— Seu sem-vergonha! E ainda tem coragem de me pedir perdão? Como ela é?

Mulher é assim mesmo: sempre quer ter a ficha completa da adversária. Tem celulite? Fala francês? Depila a sobrancelha?

— Ah, ela é assim, normal, da sua altura, mais ou menos, mas…

— Mas o quê? Fala! — ela ainda está histérica.

— Ela é loura.

LOURA! Aquilo era o cúmulo! Uma mulher não consegue, jamais, nunca, admitir que o marido teve uma amante loura. Nesta hora o sangue começou a ferver. “Meu marido tem uma amante loura!” Era humilhação demais para ela. Não conseguia parar de pensar naqueles cabelos louros ao vento, enquanto abraça seu marido; os cachos dourados ao espelho, enquanto dá os últimos retoques na maquiagem; as mãos do seu marido acariciando aquelas madeixas… Não, nunca, ela jamais o perdoaria.

— Mas querida, eu te amo! Foi só uma aventura! Pense no nosso casamento, nas crianças! Quantos anos de vida em comum jogados fora por ciúme! — e ele prometeu céus e terras, pediu perdão de joelhos, jurou nunca mais brigar por pequenas coisas, como fatura de cartão de crédito ou as visitas semanais da sogra. Prometeu nunca mais deixar a toalha molhada sobre a cama e os sapatos no meio da sala. Tanto insistiu que ela acabou amolecendo e resolveu perdoar, mas não foi fácil.

— Está bem, desta vez passa. Mas na próxima não tem desculpa, é divórcio na certa.

— Claro, querida, tudo pelo nosso amor.

— Me diz mais uma coisa. Ela é gorda?

— Como?!

Querido leitor, veja como funciona o orgulho feminino. Ela sempre teve um corpo esguio, mas à custa de muita malhação e refrigerante dietético. Sobremesa? Nem pensar! Se não se cuidasse, virava um navio cargueiro. Mas todo esse sacrifício lhe dava uma certa notoriedade: era invejada pelas amigas por ter o mesmo peso de solteira. Quando comprava roupas, fazia questão de dizer bem alto o número do manequim. Assim sendo, é claro que queria saber se a adversária era gorda.

— Eu perguntei se ela é gorda.

— Por que quer saber?

— Porque sim — responde.

— Ela é magra.

— Ah, claro! Deve ter uns dez quilos a mais do que eu.

— Não, não tem.

— Como?! Então são 20 quilos a mais — ela riu com deboche e descrédito.

— Na verdade, são cinco quilos a menos — é claro que ele também não queria ficar por baixo. Que homem decide ter uma amante mais gorda que a própria esposa? O que os amigos vão falar? Nesta hora conhecemos o orgulho masculino.

— Ah, claro! Ela deve ter diabetes ou acabou de perder 30 quilos na dieta da proteína.

— Não, ela sempre foi magra.

— Ah, sim — ela continuou o deboche — e ainda por cima come de tudo.

— Come. Come de tudo e não engorda. É bem magrinha. Come até feijoada.

Ela ficou sem voz. Por essa não esperava. Uma amante mais magra que ela, que come de tudo e não engorda? Estava preparada para tudo, menos para isso. Traição ainda passa, mas uma amante secretária, loura e magra é imperdoável. Imaginava o marido e a amante na cama, nus, abraçados, tomando sorvete de morango com chantilly, um dando calóricas colheradas na boca do outro. Ou, então, os dois no cinema, juntinhos, comendo uma caixa inteira de bombons de licor, sem o menor peso na consciência. Ele e a amante em um jantar romântico. Cantina italiana, vinho tinto e lasanha quatro queijos. E mais a sobremesa! Pediu o divórcio na mesma semana. A explicação? Humilhação tem limite.

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