Há quase uma semana estou em estado de espera: ou volto logo à vida normal e corriqueira dos afazeres, ou desisto da vida corriqueira e normal e assumo de vez uma existência simbiótica com o sofá, a caixa de lenços descartáveis e o Tylenol. Estou resfriada.
É engraçado como o corpo convalescente está em dissonância com o cérebro. Você quer levantar-se, cuidar da vida, trabalhar, decidir as coisas que precisam ser decididas (e postergar as outras coisas que também precisam ser decididas, mas você não tem vontade de decidir e acaba postergando mesmo assim, como qualquer segunda-feira normal). A vontade é grande, o cérebro já traça os caminhos usuais para a atividade, mas o corpo está em estado de letargia. É melhor continuar na cama até se recuperar e a vida retomar os caminhos usuais de ânimo, trabalho e rotina. Enquanto isso se distrai com alguns prazeres inocentes, como assistir aos desenhos da televisão ou procurar alguém desocupado ou resfriado como você para ficar batendo papo pelo WhatsApp. O problema é que o mundo continua acontecendo, é só você que pulou do navio e ficou nesse estado de espera impaciente, arrastando-se em cada minuto de coriza e tosse.
Em geral, tenho saúde de ferro, é raro pegar uma gripe. Talvez seja por isso que tenho tão pouca paciência em ficar em casa quando estou enferma. Penso nas crianças da escola, que há alguns dias não estão sentindo a minha falta. Lembro do shopping e seu entrar e sair de sacolas e pessoas distraídas com as vitrines. Penso nas praias, nos parques e nas calçadas, ideias para uma boa caminhada. Penso no supermercado, no Starbucks, na academia e no cinema. Penso até na cadeira do dentista e na consulta que cancelei. Pelo menos algo de bom o resfriado teve.
Nem quero lembrar que hoje é domingo de Carnaval no Brasil. Aqui nos Estados Unidos, país sério e responsável, não se celebra essa festa pagã e sensual, temperada com música, dança, suor, cerveja, sem-vergonhice etc. Que inveja tenho dos foliões brasileiros desavergonhados! Pior que passar o Carnaval nos Estados Unidos é passar em casa, resfriada, nos Estados Unidos. Não quero pensar nas multidões entregues à alegria carnavalesca e à esbórnia. Afinal, ninguém está mesmo pensando em mim, pobre de mim.
Mas são nesses momentos que se descobre quem realmente gosta de você. As amigas que se oferecem para trazer um antibiótico ou um “delicioso” chá de alho com gengibre (argh!). Qual chefe vai ser compreensivo e não exigir sua presença no trabalho, afinal você não quer transmitir o vírus para ninguém. Qual cartão de crédito vai perdoar os juros, porque você não deu conta de pagar a fatura na data do vencimento. Qual filho bondoso vai te trazer chocolates e biscoitos no quarto. O resfriado é como a ressaca, um divisor de águas entre os verdadeiros companheiros e aqueles que só estão com você na hora do bem-bom.
Mas aproveito para ler. Entre um cochilo e um xarope agarro algum livro do Veríssimo (o filho, porque o Veríssimo pai requer um leitor saudável) e vou me distraindo com suas crônicas. Também leio um pouco do Drummond e alguma tirinha do Snoopy. Nada muito exigente. A garganta dói, não é hora de pensar na psicologia, na filosofia e no destino do universo. Na verdade, não penso muito no universo nem quando estou com a saúde tinindo. Também não acho que ele pensa em mim. Estou tão indisposta que não serei de grande serventia nem para a minha casa, quem dirá para o universo.
Enfim, encontrei disposição para escrever uma crônica. Pode não ser das melhores (nenhuma é) mas é bastante sincera, talvez contagiosa – com esses vírus de hoje em dia não se brinca. O universo que me aguarde, logo estou voltando, mesmo que esse “logo” seja depois que terminar o Superbowl, que também está acontecendo hoje, ou depois do Carnaval. Me despeço com carinho e um espirro. Atchim!